BULLYING
COMO SE PREVINIR?
Bullying é
uma palavra inglesa que significa usar o poder e a força para intimidar,
excluir, implicar, humilhar, não dar atenção, fazer pouco caso, e perseguir os
outros. Muitas crianças vítimas de bullying desenvolvem medo, pânico,
depressão, distúrbios psicossomáticos, queda no rendimento escolar e geralmente
evitam retornar à escola. Muito tem sido falado sobre o que fazer com as
criança ou com os adolescentes vítimas do bullying, sobre qual atitude tomar
com aquele que pratica o bullying e como a escola deve agir. Mas onde e quando
tudo isso começa? O que leva uma criança ou um adolescente a praticar bullying
ou ser vítima dele?
Nos
dias de hoje, muitas famílias, por questão de sobrevivência ou por quererem dar
uma vida melhor aos filhos, passam mais tempo trabalhando, fora ou dentro de
casa, e dedicam menos tempo aos filhos, delegando a outros a responsabilidade
de educar, de colocar limites e de resolver quaisquer outros problemas. Outras
vivem vidas desarmônicas, disfuncionais e em conflito, prestando pouca atenção
às necessidades emocionais dos filhos e aos problemas intrínsecos ao próprio
desenvolvimento, levando a criança ou ao adolescente a perderem o referencial
de segurança e confiança em seu próprio lar. Winnicott, psicanalista inglês,
diz em seu livro, “Privação e Delinqüência” que: “o sentimento de segurança de uma criança está intimamente vinculado às
suas relações com os pais....”. Quais são as saídas possíveis para uma
criança ou adolescente que não encontram em seus pais (ou substitutos) o
suporte emocional, físico e afetivo necessário ao seu desenvolvimento? Ainda,
segundo Winnicott, “tudo começa em casa”
e aí se inclui o alicerce da saúde mental.
É esse suporte que facilitará os processos de maturação de cada criança,
no decurso da vida familiar permitindo-lhe a expressão de seus conflitos, de
suas inseguranças, de suas frustrações e, principalmente, de sua
destrutividade. Caso a criança se encontre impedida, pelas razões já descritas
acima, de provocar e testar seu meio ambiente (pais), através da exteriorização
de seu mundo interior, se verá forçada, ela mesma, a sufocar e a controlar seus
impulsos e não terá a oportunidade de dar e de fazer uma reparação pelo “dano”
causado e não tendo como aliviar um sentimento de culpa. E, segundo Winnicott: “... energia instintiva reprimida constitui
um perigo potencial para o indivíduo e para a comunidade”.
Voltando ao tema,
sinto-me obrigada a dizer que antes mesmo de crianças e adolescentes serem
vítimas ou praticarem bullying, alguma forma de sofrimento elas estão vivendo
ou já viveram dentro de casa: exclusão, pouco caso, alguma forma de negligência
e falta de atenção; humilhação, intimidação, perseguição, implicância e violência
física e/ou verbal entre seus pais. Como resposta, teremos numa ponta a criança
e/ou o adolescente ousados e na outra os tímidos, os inseguros. Aqueles
manifestarão abertamente a agressividade e a hostilidade e estes encontrarão
essa agressividade não dentro de si, mas em outro lugar, e terão medo dela,
ficando apreensivos e na expectativa de que essa agressividade volte-se para si
próprios. É aqui, dentro do próprio lar, que devemos investigar a existência de
algum problema (conflitos conjugais, desamparo....) e é a isso que devemos
prestar atenção se quisermos prevenir o bullying dentro das escolas.
“Como é a criança normal? Ela
simplesmente come, cresce e sorri docemente? Não, não é assim. Uma criança
normal, se tem a confiança do pai e da mãe, usa de todos os meios possíveis
para se impor. Com o passar do tempo, põe à prova o seu poder de desintegrar,
destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se. (...). Se o lar
consegue suportar tudo o que a criança pode fazer para desorganizá-lo, ela sossega
e vai brincar, mas primeiro os testes têm que ser feitos e, especialmente, se a
criança tiver alguma dúvida quanto à estabilidade da instituição parental e do
lar. Antes de mais nada, a criança precisa estar consciente de um quadro de
referência se quiser sentir-se livre e se quiser ser capaz de brincar, de fazer
seus próprios desenhos, ser uma criança irresponsável. (Privação e Delinqüência,
p. 129)
Uma criança que teve esse
lar amoroso, desde o início, será capaz de desenvolver os sentimentos de auto-confiança,
de auto-estima e segurança em si própria. Por sua vez, aquela que, em
determinada etapa do seu desenvolvimento (onde já existia o sentimento de
alteridade e a noção de que o que ela recebia vinha de fora, do seu lar), foi
privada desse ambiente estável só terá como saída recorrer à sociedade (escola
etc...) para lhe fornecer a estabilidade de que necessita. E é aqui que começa
a se observar comportamentos anti-sociais. A criança ou o adolescente procurarão
reaver o lar amoroso perdido provocando e testando aqueles à sua volta
(professor, diretor, os pais), buscando inconscientemente um limite ao efeito
concreto de seu comportamento impulsivo. Testando os limites e recebendo-os de
volta eles poderão recuperar aquilo que sentiu que perdeu, ou seja, seus impulsos
primitivos de amor, seu sentimento de culpa e seu desejo de corrigir-se, porque
sabe ter alguém em quem depositar todo tipo de angústia, medo, insegurança e
preocupação. Portanto, podemos dizer que o bullying
também é o comportamento daquele que se sentiu privado de tudo que um dia teve
em seu lar (deprivação, segundo
Winnicott). E, sendo assim, nós, educadores, psicólogos e pais ainda temos
chances de ajudar. A conduta anti-social é indicativa de que alguma esperança
subsiste. Ela é um SOS, um pedido de controle de pessoas fortes, amorosas e
confiantes. A criança pode receber psicoterapia, desde que seja lhe oferecido
um ambiente estável e forte, com assistência e amor pessoais, e doses
crescentes de liberdade. Sem esse ambiente a criança não terá grandes
probabilidades de êxito.
Num sentido mais
prático, a escola, ao receber uma queixa de bullying, deve, junto com o SOE, convidar
os pais para informar do ocorrido e colher informações a respeito da criança e de
problemas e conflitos familiares acontecendo. Diante da negação do
comportamento da criança ou dos problemas familiares, a escola não terá outra
alternativa senão recusar aquela criança. Caso haja aceitação, toda a família
deverá ser encaminhada para tratamento psicológico e o SOE deve ser informado
do progresso da criança e dos pais, levando-se em conta o sigilo de um
tratamento psicológico. Será também de responsabilidade do SOE se colocar à
disposição da família, da criança e do profissional de saúde para prestar
quaisquer informações e orientação.
Já na outra ponta, está
a criança que é vítima de bullying. Da mesma maneira que o problema está em
casa no caso de quem pratica bullying, assim também pode ser para quem sofre as
agressões. Lembro agora de uma frase de Fernando Pessoa que dizia: “aquilo que é demais é demasiado”. A
criança que não consegue se defender de ameaças, de implicância, de agressões
etc.... pode estar tendo como alicerce para o desenvolvimento de sua personalidade
famílias super-protetoras, famílias negligentes às suas necessidades ou
famílias disfuncionais. A citação de Winnicott, mais uma vez, se faz presente
aqui: “Como é a criança normal? Ela
simplesmente come, dorme e sorri docemente? (......)”. A criança que não
teve a chance de destruir, desintegrar, explorar, seja porque tinha por trás
uma mãe e/ou pai com medo de que ela se machucasse, de que ficasse doente, de
que ficasse triste; seja porque foi privada
(e não deprivada) de um ambiente estável, por separação dos pais ou porque foi
tirada do lar em que vivia e tinha esse como o seu etc.... não pôde aprender a
lidar com a perda de um brinquedo, de
um amigo, de uma brincadeira; não pôde brincar e descobrir por si mesma os
desafios do seu pequeno mundo e de lidar com aquilo que traz consigo; não teve
uma base sólida em que se estruturar. Por sua vez, não pôde desenvolver
sentimentos de auto-confiança e segurança e acreditar que o mundo não é tão
perigoso e que pode se defender. Ela só aprendeu que o mundo não é confiável e nem
seguro. Essas são as crianças tímidas, as que me referi acima, prontas, à espera
de dificuldades e que têm medo de que o mundo e as pessoas irão persegui-la.
Ainda segundo Winnicott: “O brincar,
baseado como é na aceitação de símbolos, contém possibilidades infinitas. Torna
a criança capaz de experimentar tudo o que se encontra em sua íntima realidade
psíquica pessoal, que é a base do sentimento de identidade em desenvolvimento. Tanto
haverá agressividade como amor” (idem, p. 107) (meus grifos). A mágica
do brincar é dar subsídio a criança para destruir, aniquilar, reparar e
construir. A criança que não pode jogar um brinquedo fora, porque está com
raiva de um pai ou de uma mãe que nunca estão presentes ou que não lhe dão atenção
não aprenderá a lidar com o choque de reconhecer a existência de um mundo
situado fora do seu controle mágico. Quando a criança é impedida de ser
criança, tiram-lhe a possibilidade de “contribuir”, de dar algo seu para alguém
querido e, com isso, roubam-lhe o desenvolvimento do sentimento de ser capaz,
de ser boa o suficiente e de que pode produzir coisas boas.
Muitos pais repetem na vida familiar,
principalmente com os filhos, aquilo que sofreram em suas infâncias ou, no
outro oposto, vivem diariamente o passado tentando evitar que os filhos passem
pelo que eles passaram. Outros há que, apesar de serem avós, desempenham o
papel de pais (situação muito comum atualmente), sentem-se responsáveis
pelo cuidado dos netos e os super-protegem por medo de futuras acusações ou
reclamações. As conseqüências da super-proteção, da falta de disponibilidade
para com os filhos, do medo e da ansiedade em demasia, dos conflitos insolúveis
são imprevisíveis, porque quaisquer dessas atitudes afetaram e/ou afetarão o sentimento e a percepção
que a criança tem e terá de si própria.
E o que fazer quando a
escola é informada ou descobre que há alguma criança sendo vítima de bullying?
Infelizmente, quando se descobre que uma criança está sofrendo agressões e ameaças,
muito tempo, às vezes, já se passou. Com a auto-estima ferida, sua confiança nas pessoas já
está abalada e um forte sentimento de insegurança não lhe permite denunciar os
abusos por medo de retaliação. Os pais, apesar de perceberem algo de diferente
no comportamento da criança ou do jovem, muitas vezes não sabem como agir e não
conseguem saber o que está, de fato, acontecendo. Por essa razão, é de extrema
importância que, a qualquer pequena mudança no comportamento do filho
(retraimento, isolamento, recusa a ir à escola ou a sair de casa, irritabilidade,
falta de concentração etc..) os pais procurem se informar na escola sobre o
filho, principalmente em se tratando de adolescentes. Quando criança,
normalmente um dos pais ou outro responsável levam-na à escola, tendo maior
acesso ao material escolar e informações sobre seu desempenho, participa de
conselhos e reunião de pais e conhece os amigos e colegas da criança. O mundo
adolescente é um mundo mais fechado e de afastamento das figuras parentais, daí
a importância de estar sempre mostrando interesse em relação à escola, aos
amigos, ao que eles gostam de fazer etc .... Escola e pais têm que se unir em prol da
vítima garantindo-lhe principalmente segurança. A família terá que ser
convidada pela escola e pelo SOE para ter informações a respeito da vida
familiar e encaminhar a criança e/ou a família para tratamento psicológico.
Em ambos os casos, seja a criança vítima
do bullying ou o agressor, o trabalho a ser feito deve começar com a família, sem o que qualquer tipo de
intervenção não terá êxito. E no que diz respeito às escolas, estas também terão
que se posicionar e tomar providências severas em caso de não atendimento da
família às mudanças necessárias (expulsão ou suspensão da criança).
Acredito que a prevenção de qualquer
tipo de bullying deva começar em casa, para que as crianças e os jovens não sejam
vítimas dele dentro do próprio lar.